Ontem meu tio, Dr. Silvio Carvalhal, decidiu que era hora de partir. Morreu, com a dignidade e sobriedade com a qual viveu. Exerceu o direito m�ximo de arbitrar o momento para isso.
Minha m�e contou agora alguns detalhes que soube sobre sua partida. Sobre como pediu que desligassem o oxig�nio que tanto o ldquo;incomodavardquo;. Viver devia estar sendo um fardo muito chato para algu�m como ele, que fez da vida uma arte profunda, incompat�vel com um corpo que j� n�o funcionava como uma ferramenta eficiente.
Silvio Carvalhal n�o era meu parente de sangue. Foi casado com uma das irm�s mais velhas de meu pai, tia Landi. Meu tio amou minha tia a ponto de fazer concess�es que eu jamais faria por um ser vivo. At� o fim dos dias dela, que faleceu aos 80 anos, quando eu estava em Gainesville.
Tive mais proximidade com esse tio ldquo;in lawrdquo; do que com outros de sangue. Durante um projeto de pesquisa, quando eu era uma acad�mica, sobre a Hist�ria da Doen�a de Chagas, eu o entrevistei. Silvio Carvalhal foi um cardiologista importante e pioneiro no estudo desta patologia, cujo efeito mais desabilitante � justamente a cardiopatia chag�sica. Formou centenas de estudantes e dezenas de bons pesquisadores. Influenciou uma gera�o de cientistas.
Mas n�o embarcava em ldquo;ego tripsrdquo;. Eu s� sei quem ele realmente foi porque minha pesquisa me apresentou ao personagem Silvio Carvalhal. Seria educativo aos jovens excessivamente conscientes de seus incipientes talentos intelectuais ter conhecido Silvio Carvalhal. Poderiam adquirir, assim, um senso de rid�culo sobre arrog�ncia e orgulho do pouqu�ssimo que todos sabemos, e tamb�m para aprender a ter admira�o pelo desconhecido.
N�o tenho o privil�gio de trazer nas veias o sangue dele, mas tenho orgulho de ter conhecido de perto este grande homem, que certamente me influenciou. N�o choro sua morte, porque foi uma morte decidida por uma mente s�bria e racional. Ele morava em Campinas, de modo que nos v�amos pouco, e nas �ltimas ocasi�es ele j� estava cansado de muitas palavras. Me abra�ava e sorria, como quem j� tivesse dito o suficiente. E � verdade: avessa que sou a esses encontros coletivos em que se troca quase nada e se comunica apenas a ang�stia da incomunicabilidade, ele estava certo.
A partir de ontem, tio Silvio se tornou uma daquelas estrelas que brilha no meu c�u de guias, junto com minha av� Maria de Freitas, Jos� Vicente Martins Campos e Marilda Sawaya. Com minha av� tio Silvio partilhou a decis�o de partir. Com os outros tr�s, a dignidade, coragem e for�a de viver como guerreiro num mundo de minhocas.
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